Desafios do Amor

jesus

Amar é sempre um desafio doloroso, e não é por menos que tanta gente foge desse sentimento tão intenso e tão complexo. Entrar em contato profundo com outra alma nos trás um prazer iniqualável, mas ao mesmo tempo nos faz visitar locais na nossa alma que não desejamos visitar.

Quando alguém, dotado de um poder inexplicável, consegue adentrar as portas das defesas e das couraças de proteção emocional que engendramos para proteger do sofrimento a nossa capacidade de amar, e se instala no nosso coração, inevitavelmente começam os desafios. Não temos tempo de analisar, de nos prepararmos, porque o amor sempre chega sem aviso prévio.

O que antes era escuro e aparentemente deserto, se enche de luzes e nos mostra que não era deserto. Havia alí, escondido na alma, muito caos que se mostra como sentimentos confusos, mal resolvidos, cicatrizes que ainda sangram, necessidades ignoradas… Nos vemos obrigados a olhar para tudo aquilo, com uma luz que nos ofusca e confunde. Não conseguimos analisar, só sentir a luz entrando, acabando com as sombras, deixando à mostra todas as nossas fragilidades.

Amar, me disseram uma vez, é estar diante de alguém sem defesas, sem reservas, com todas as fragilidades à tona. É ter a alma desnuda e vulnerável. Causa pavor…

Mas depois de um tempo, aprendemos que não podemos fugir para sempre de Deus… Um dia temos que assumir nossa capacidade de amar e enfrentar os desafios que isso trás. É a maturidade que chega e nos convida a crescer. Precisamos arrumar as confusões feitas pelas nossas necessidades e ilusões. Precisamos enfrentar os desafios do amor, o sofrimento inevitável que ele causa ao nosso ego, sempre tão orgulhoso e egoísta!

Amar incondicionalmente sem dúvidas é o maior de todos os desafios do amor. Amar sem esperar nada em troca, sem desejar nem mesmo ser correspondido, sem esperar que nosso afeto irá corresponder nossas expectativas até mesmo sobre o bem estar dele próprio. Amar com toda a força da alma, mas ainda assim mantendo a distância emocional necessária para amar e ser útil, para amar sem permitir que nosso ego prejudique quem amamos. Amar e ser capaz de lidar com as defesas do nosso ser amado. Defesas essas que nos afastam, quando gostaríamos de estarmos próximos. Defesas que rejeitam nosso amor mais sincero. Defesas que desprezam nossa presença, que se mostram indiferentes ao fato de existirmos no mundo.

Lidar com tantas defesas sem defender-se de volta é realmente muito desafiador.

Sim, nos defender é quase uma necessidade em alguns momentos. Porque antes, quando tentamos amar, sofremos muito, então para nos proteger de “cair na cilada do amor” outra vez, queremos esquecer tudo, queremos esquecer de quem somos, de onde pertencemos, e nos preparamos com todo arsenal possível para nos defender de possíveis ataques à nossa paz. Enregelamos o coração e o envolvemos com uma couraça resistente até àqueles que antes nos tocavam tão intesamente. Construímos uma indiferença segura e que aparentemente trás toda a paz do mundo para nós. Viver sem sentir nada? Nada melhor que isso, pensamos.

Mas então Deus mostra seu poder sobre nossa alma infantil, teimosa e assustada. Um dia, quando menos esperamos, as defesas são ultrapassadas com toda a facilidade, mostrando como somos um nada diante dessa força da natureza que chamamos de amor. O gelo derrete rapidamente, enquanto tentamos entender o que está acontecendo. A couraça se destrói e todas as feridas ficam à mostra.

Temos a opção de reconstruir todo nosso arsanal outra vez e seguir fugindo ou temos a opção de enfrentar os desafios, por mais doloridos que sejam e aproveitar a oportunidade de amadurecimento, de crescimento, de cura e de saúde espiritual. Uma decisão que parece tão simples, tão fácil, tão óbvia, mas que na prática é tão, tão difícil e complexa…

Sucesso e Fracasso

Há um tempo atrás estava lendo o lindíssimo livro “Luz do Mundo”, do espírito Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo Pereira Franco, quando me deparei com essa passagem, que segundo a autora, foi dita por Jesus:

“Meu Pai dispõe de recursos que nos escapam e como é o Autor de tudo e de todos, cumpra cada um irrestritamente com o seu dever, transferindo para Ele, o Senhor de todos nós, os resultados do nosso trabalho”.

Foi impossível não notar nas palavras escritas pela autora cristã, um trecho praticamente idêntico ao Bhagavad Gita, escritura sagrada do Hinduísmo. Nesta jóia da Espiritualidade indiana podemos ver esse trecho, onde Krishna diz a Arjuna:

“Aquele que executa seu dever sem apego, e entrega os resultados ao Deus Supremo, não se afeta pela ação pecaminosa, tal como a pétala da flor de lótus que nunca é tocada pela água”.

São muitas, muitas passagens na Bhagavad Gita que fala sobre executar o dever sem apego, entregando o resultado nas mãos de Deus, de tal forma que essa é, sem dúvidas, a mensagem mais marcante dessa escritura. Segundo Krishna, nessa outra passagem, é a essência da Yoga:

“Você tem o direito de cumprir seu dever prescrito, mas não aos frutos da ação. Nunca se considere a causa dos resultados de suas atitudes, nem jamais se apegue ao não cumprimento de seu dever. Seja firme no yoga, ó Arjuna! Execute seu dever e abandone todo apego por êxito ou fracasso. Semelhante estabilidade mental se chama yoga”.

Já escrevi sobre essa reflexão aqui algumas vezes, porque ela me parece a maior de todas as mensagens de caridade absoluta, existente na nossa História. Foi difícil até para os santos que viveram aqui, seguirem essa recomendação de Krishna, porque trabalhar como uma plena extensão de Deus no mundo é dificílimo, mais ainda quando estamos imersos na matéria. Como cumprir nossos diversos deveres do mundo sem esperar qualquer resultado das nossas ações? Como trabalhar, viver, interagir, amar e construir, sem esperar jamais que tudo isso resulte na satisfação dos nossos desejos? Como renunciar completamente à satisfação dos nossos desejos, mesmo os nobres e puros? Como ter a consciência plena de que, acima de qualquer desejo que possamos ter, está o Desejo Absoluto de Deus?

É muito difícil, porque se cumprimos um dever, se estamos imersos na realização de algo, se estamos nos dedicando, nos empenhando em uma tarefa, naturalmente nós desejamos que ela seja bem sucedida *segundo a forma como conseguimos entender o sucesso de algo*. É muito difícil para nós entendermos que, muitas vezes, o fracasso é o resultado que Deus deseja, porque ele será mais útil para nós ou para o contexto no qual vivemos, que a vitória. É muito difícil para nós abrirmos mão de um resultado sempre satisfatório das nossas ações, afinal, se trabalhamos é para dar certo, não é? Mas como podemos ter certeza que o nosso “dar certo” é o mesmo “dar certo” de Deus? Não podemos saber, porque “Nosso Pai dispõe de recursos que nos escapam”. Só o que podemos fazer é cumprirmos os nossos deveres, entregando sempre à Deus o resultado das nossas ações. Cabe à Ele guiar para o sucesso, e ele *sempre* guia para o sucesso, mesmo quando aos nossos olhos parece um fracasso.

A Ordem e a Harmonia sempre se fazem… Nós é que temos muito caos interior, e não conseguimos ver que Deus, haja o que houver, está no leme do Universo inteiro, fazendo tudo funcionar com perfeição. Não adianta chorarmos pelo aparente fracasso de algo, só adianta sermos firmes e jamais desistirmos do cumprimento dos nossos deveres, não importando se no fim, aparentemente deu tudo errado, tendo sempre a consciência de que, quando cumprimos com nosso dever, estaremos trabalhando para Deus, não para nós.

Muitas vezes nós não podemos saber porque algo pelo qual batalhamos tanto, deu “errado”, mas Ele sempre sabe…

Humildade X Baixa-Estima

Há um tempo atrás eu comprei um livro que nas resenhas me chamou muito a atenção. Seria a publicação de várias cartas pessoais e íntimas de Madre Teresa de Calcutá. Eu adoro ler esse tipo de literatura, quando conseguimos sempre observar um grande ícone sob a sua própria ótica, despida dos louros que os títulos trazem. Numa biografia comum, geralmente é mostrado o ícone, mas numa autobiografia, ou em escritos pessoais, vemos muito mais que o ícone, vemos o ser-humano, o Filho de Deus por trás de toda a realização. Eu sou fascinada por leituras assim, porque aprendo sempre a respeitar muito mais a alma que se superou e se destacou em dedicação à Humanidade, não porque era mais Filho de Deus que qualquer um de nós, mas porque teve a coragem, a determinação e a entrega que nós não temos… Acima de serem ícones, são grandes exemplos de vida!

Mas fiquei um tempo, quase 2 anos sem terminar a leitura do livro. Não sei porque me desinteressei por ele na época. Lembro que parei de lê-lo para me concentrar numa biografia de Santa Clara, que se tornou um dos meus livros favoritos. Meu sonho era ter uma autobiografia de Santa Clara! Tantas atitudes que ela teve que para mim são mistérios insondáveis! Por que se auto-imolar sendo ela tão lúcida? Por que pedir esmolas, se Jesus – exemplo máximo – teve um ofício? Enfim, muitas perguntas que ficamos quando lemos biografias, por isso gosto tanto das autobiografias.

Mas isso fica para outra hora. Queria refletir sobre um trechinho do livro de Madre Teresa. O livro chama-se “Madre Teresa, venha, seja minha luz” e foi organizado por Brian Kolodiejchuk.

“Por que foi que tudo isso chegou à mim – a mais indigna das Suas criaturas – não sei – e tentei tantas vezes convencer Nosso Senhor a procurar outra alma, uma mais generosa – uma mais forte, mas Ele parece gostar da minha confusão, da minha fraqueza”. (trecho de uma carta de Madre Teresa à Madre Gertrudes, Superiora do Convento onde ela vez seus votos na Índia)

Isso é algo que sempre me intriga quando leio relatos de santos, grande ícones de virtudes e pessoas que se destacaram por fazer o bem e amar. Todos sempre se acham as piores criaturas, as mais pecadoras e mais fracas. Fico tentando imaginar o quanto disso é humildade e o quanto é baixa-estima. Pode ser apenas uma humildade imensa, mas tem toda a cara de baixa-estima, e confunde à nós, reles mortais.

Jesus, até onde se tem notícia, foi o Ser mais humilde que pisou nesse mundo. E Ele verdadeiramente *é* humilde. O maior de todos, sem dúvidas. Mas não se tem notícia de Jesus ter se menosprezado, de ter-se rebaixado como o pior dentre os piores. Pelo contrário, Ele sempre se valorizou como Filho de Deus. Claro que ele não tinha mais os defeitos que todos nós – até os Santos – temos, mas se Ele veio até nós para nos servir de exemplo máximo, então por que nos ensinou à nos valorizarmos tal qual Ele se valorizava?

Muitas vezes ele reerguia os pecadores, e mostrava à eles o quanto eles tinham valor como Filhos de Deus, e que tinham que fazer juz à esse valor! Convidava os mais pecadores à obrar em nome de Deus, à se auto-respeitaram abandonando o crime e buscando uma vida digna. Tirou a prostituda de Magdala de uma vida regada à todo tipo de devassidão, e transformou-a num dos maiores exemplos de renúncia, caridade e superação que se tem notícias. Fez de Mateus, um cobrador de imposto desonesto, um dos evangelistas mais lidos de todos os tempos.

Ele não era só um Mestre perfeito, era também um Psicólogo Sublime, porque trazia as almas da escuridão total de si mesmas, para a busca incessante da sua Luz Íntima, onde o Pai brilha e reluz sempre. Ele nunca quis que nos rebaixássemos e desvalorizássemos, mas quis sim, que cientes dos nossos pecados, abríssemos mão da prática deles, passando a nos auto-respeitar como criaturas dignas de serem instrumentos de Deus no mundo, em vez de instrumentos do mal.

Claro que Madre Teresa era digna da tarefa que à ela foi confiada, tanto quanto todos nós somos dignos das pequeninas tarefas que Deus nos confia, mesmo a mais insignificante. Claro que Madre Teresa era forte, porque só uma alma forte como ela seria capaz de abrir mão de seu ego para se dedicar inteiramente à Humanidade simplesmente porque essa era a Vontade de Deus. Eu, por exemplo, tão cedo na minha evolução não serei capaz disso, porque ainda sou muito apegada à meus problemas, à meus sentimentos, dores, alegrias, desejos e sonhos. Minha força e dignidade está limitada à tarefas bem pequenininhas, cotidianas e mundanas, por isso mesmo que Ele não me chama ainda para cuidar da Humanidade, só da minha filha mesmo já tá bom. Ainda nem tô perto de abrir mão de mim, então imaginem que à começar por mim, há gente muito mais indigna e fraca que ela, portanto não é justo que ela pensasse isso de si mesma, que ela se desvalorizasse assim.

Aí que penso estar a pedra de toque entre a humildade e a baixa-estima. Ela era verdadeiramente humilde por reconhecer que toda a obra era de Deus, não dela. Que ela era apenas instrumento Dele, e nenhuma nesga de vaidade ou orgulho saía de suas palavras, todo o tempo ela era só um instrumento, por mais que ela precisasse se superar e se esforçar pessoalmente para que a obra tivesse andamento, nunca depositava em si os louros das vitórias. Todo o tempo era Deus atuando através dela. Agora penso que a baixa-estima vinha da sua desvalorização enquanto Filha de Deus, porque se Ele a estava utilizando como instrumento, era porque ela tinha condições para tal. Nós não somos objetos que Deus usa sem que tenhamos nenhuma participação nisso.

Se assim fosse, então para que nos esforçarmos tanto para evoluirmos, para melhorarmos, para nos tornarmos instrumentos mais capazes, mais hábeis, mais úteis. O mérito da obra é de Deus, mas o mérito do nosso aprimoramento é nosso. Se fôssemos meros objetos inúteis que Deus, em Sua misericórdia, desse alguma utilidade, então por que Ele não chama um egoísta total para obras como a de Madre Teresa? Porque o egoísta ainda não se aprimorou suficientemente para ser instrumento de Deus em tarefas que exigem desprendimento do ego. Deus chama o egoísta para outras tarefas.

Nossa utilidade para Deus e sua Obra está sempre de acordo com nossas conquistas, com nosso próprio mérito. Se Ele a chamou para realizar tal obra, claro que era porque ela tinha méritos e possibilidades, e ela devia se sentir feliz consigo mesma por isso, se amar e respeitar como uma criatura valorosa, sem nunca achar que a obra era sua, como os vaidosos e orgulhosos acham, mas ciente também de suas possibilidades, não só de suas fraquezas. Ela não era tão ruim como pensava, tanto que Deus, o único que pode nos ver com perfeição, a achou digna e pronta.

Temos que aprender a nos valorizar, sem pecarmos pelo orgulho e vaidade, como geralmente fazemos. Acho essa uma das tarefas íntimas mais difíceis de serem realizadas, porque temos o hábito de nos valorizarmos pelas nossas supostas realizações, não pelas nossas vitórias sobre nosso ego. Achamos que somos o máximo porque fazemos caridade, quando na verdade é Deus que nos aproveita para socorrer quem precisa. Nós não fazemos caridade, nós nos pré-dispomos à sermos instrumentos de Deus, e temos o dever de nos aprimorarmos cada vez mais, para que possamos ser melhores e mais capazes instrumentos.

E como nos aprimoramos? De muitas formas, mas uma das favoritas de Deus é o sofrimento. Por que o sofrimento? Porque é quando sofremos que conseguimos entender o sofrimento das outras pessoas. É quando sofremos que aprendemos a nos sensibilizar com o sofrimento dos outros. Antes de sofrermos, estamos sempre centrados em nós. Depois que sofremos, passamos a ver o sofrimento dos outros com mais compaixão, com mais empatia, e por isso mesmo ficamos mais *dispostos* à trabalhar junto com Deus para minorar as misérioas do mundo. Enquanto estamos distraídos com nossa felicidade e bem-estar, Deus tem dificuldades de nos sensibilizar para o trabalho de Amor e Misericórdia que há para fazer em toda a parte.

Temos muitos planos, muitos sonhos, muitas coisas à realizar por nós mesmos, e quanto mais felizes e vitoriosos no mundo, menos nos dispomos aos planos, sonhos e realizações de Deus. Por isso às vezes Ele nos faz sofrer e até nos tira tudo, para que paremos de nos distrair e aprendamos a valorizar o sofrimento dos outros e a termos disposição para minorá-los, tanto quanto desejamos que o nosso fosse minorado, quando foi a nossa vez de sofrer.

Madre Teresa, sem dúvidas, em algum momento de sua evolução, sofreu bastante (como acontece com todo mundo, mais cedo ou mais tarde), e agora veio ao mundo para se dispor totalmente à Deus afim de minorar o máximo que suas forças permitissem, o sofrimento dos mais sofredores. Ela já nasceu vitoriosa, já nasceu disposta à Deus e desapegada de seu ego. E certamente nessa vida ela se superou em forças e em possibilidades, porque precisou crescer e realizar mais superações no decorrer da realização da obra de Deus, e por isso, em próximas oportunidades, será ainda mais digna e mais capaz do que foi nessa vida.

E assim é com todos nós, desde os mais ególatras até os Santos. Todos somos instrumentos de Deus, mas depende de nós sermos cada vez melhores e mais capazes instrumentos, com humildade para reconhecer que a obra não nos pertence, mas com auto-amor e auto-respeito para reconhecermos nossa parecela de mérito, dignidade e vitória pessoal em tudo que Deus realiza através de nós.

Naturalmente…

Adorei essa frase de Allan Kardec contida no Livro dos Médiuns:

“A Natureza é mais prudente do que os homens. A Providência, aliás, tem seus planos e a mais humilde criatura pode servir de instrumento aos Seus mais amplos desígnios (…)”

Sim, a Natureza é mais prudente do que os homens, porque toda ela é harmonia com Deus, enquanto nós estamos quase todo o tempo em harmonia com Maya, com a ilusão dos nossos sentidos. A Natureza não se ilude com as coisas do mundo, ela apenas cumpre seu dever, seu destino dentro da criação. Nós estamos sempre em busca de satisfazer nossos sentidos, nossas vontades e expectativas, e raramente estamos simplesmente à disposição de Deus para sermos seus instrumentos.

Na maioria das vezes sequer achamos que temos alguma chance de ajudar Deus, porque ou somos soberbos de orgulho e egoísmo, ou não damos valor à nós mesmos enquanto filhos de Deus que somos. Ou nos cremos grandes demais para perdermos tempo nos ocupando dos assuntos de Deus, já que temos tantos assuntos particulares precisando de nossa atenção, ou nos achamos tão pequenos e insignificantes, que nem cogitamos a possibilidade de Deus se servir de nós.

Mas Deus se serve, mesmo quando não queremos… Ele sempre se serve de nós, até mesmo dos nossos erros, para promover a harmonia e a ordem em toda a criação. Na verdade Ele tem recursos e meios que nos escapam, com os quais nem mesmo podemos imaginar. Ele sempre dá-nos chance, sempre se ocupa de nós, mesmo quando não queremos nos ocupar Dele ou quando nem queremos que Ele se aproxime. Somos seus instrumentos nos momentos mais diversos, e obramos por Seu intermédio sempre que é necessário. Às vezes nos damos conta disso, às vezes não…

E assim é com todos, por isso mesmo que não podemos dizer que determinada pessoa foi culpada disso ou daquilo de ruim que nos aconteceu, porque se aconteceu é porque, por algum motivo, ela foi intrumento de Deus para nos educar. A responsabilidade do ato dela recai apenas sobre ela, porque se fomos atingidos é porque um dia, num passado de erros e desenganos, plantamos aquela semente ruim que germinou pelas mãos de alguém que se fez instrumento das Leis de Deus.

E é justamente por isso que não temos motivos para nos ofender ou magoar quando nos atingem, apenas devemos abençoar e agradecer a Deus que Ele nos achou dignos de nos harmonizarmos com as Leis e fortes o suficiente para sofrermos as consequências de nossos erros pretéritos. Mas sim, mesmo assim é difícil trazer esse conceito para nosso emocional e vivenciá-lo em plenitude. Volta e meia estamos nos ofendendo, magoando, tendo dificuldades para perdoar. É nessa hora que temos que ter paciência conosco também, lutando para não nos acomodarmos aos sentimentos ilusórios do nosso ego, mas sem nos exigir pressa demais, porque como diz o conceito da frase de Kardec, tudo que é Natural é mais sábio, e isso inclui nosso tempo íntimo de absorver emocionalmente os conceitos que já vislumbamos no intelectual.

Geralmente quando nos obrigamos a sentir o que naturalmente ainda não conseguimos, estamos nos agredindo e desejando sermos mais fortes que a nossa Natureza. Não nos respeitamos e nem nos damos a chance de sermos o que somos: seres em crescimento, em constante evolução, imperfeitos e ignorantes de muita coisa. Quando nos forçamos a um modelo idealizado de “moralmente ideal”, na maioria das vezes apenas nos tornamos hipócritas e mascarados. Quando finalmente o conceito for absorvido naturalmente por nós (o que pode demorar várias vidas), nós sentimos a paz daqueles que não sentem necessidade alguma de se auto-imolar, pois que estão em harmonia com Deus, e isso também significa se amar e se respeitar inclusive como um imperfeito Filho de Deus.

Reino de Deus em Nós

Ando refletindo muito sobre uma passagem do livro “Luz do Mundo” de Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo P. Franco. A passagem é a seguinte:

” – O Reino de Deus – concluiu o Mestre – está dentro de cada um que o deseje. Não é trabalho externo, antes resultado do excelente labor anônimo e sacrificial nas noites de silêncio, nos dias de angústia e dor libertadora. Ninguém o verá, e esse herói, aquele que o conseguir realizar, não receberá aplauso, passando entre os homens desconsiderado, incompreendido, malsinado, todavia em paz consigo mesmo e em harmonia com Deus…”.

Achei tão perfeita essa colocação! De uma sabedoria e profundidade tão grande! Geralmente temos a ilusão de que aqueles que se destacam no trabalho externo é que estão caminhando no Reino de Deus… Mas quem pode julgar o íntimo das pessoas? Até que ponto o trabalho externo é resultado do amor? Quem pode julgar se uma pessoa que se destaca entre as demais no labor evangélico, vive intimamente tal qual um verdadeiro seguidor do Cristo? Ninguém pode julgar isso além de Deus…

Muitas vezes aqueles que se destacam menos são justo os que mais paz íntima possuem. Muitas vezes alguém que sequer faz algum trabalho evangélico, está mais em harmonia consigo mesmo e com Deus do que um que se diz cristão. E isso nem é raro. Achei interessante a observação da passagem quando destaca-se que o Reino de Deus é conquista íntima, não externa. Que conquistamos o Reino de Deus após laboriar muito dentro de nós mesmos, de sofrermos todas as dores do autoconhecimento e auto-burilamento. É também sofrendo as consequências dos nossos atos, nos reajustando diante das Leis de Deus, e encontrando assim a paz da consciência livre.

Dói… Dói muito encontrar dentro de nós o Reino de Deus. É preciso dores atrozes, solidões escuras onde apenas o Mestre nos acompanha, para que reconheçamos Seu Augusto Amor, e solidifiquemos a nossa Fé e União com Ele. É na dor soberana que encontramos o Reino de Deus, aquele lugar indubitavelmente seguro dentro de nós, onde encontramos a paz. Uma paz que é só nossa, fruto da libertação da consciência e da reconquista de si mesmo. Uma paz que não foi dada, que não foi encontrada em templos, livros ou teorias, mas conquistada à custa de muito sofrimento, das provações mais singulares e penosas, de ter a alma inteira destruída e refeita. A força que vem dessa paz é inabalável, porque é resultado da união definitiva entre criatura e Criador. Haja o que houver, o Reino de Deus está estabelecido no nosso coração, e a Paz reina mesmo na tempestade…

Tal qual uma frase que li uma vez no livro “Paulo e Estevão”, numa ocasião em que Paulo é apedrejado sentindo aquela paz angélica e confiança irrestrita em Deus. Achei-a perfeita para descrever o encontro com o Reino de Deus: “Na prova rude e dolorosa, compreendeu, alegremente, que havia atingido a região de paz divina, no mundo interior, que Deus concede a seus filhos depois das lutas acerbas e incessantes, por eles mantidas na conquista de si mesmos”.

Tem um momento da luta que os golpes já não surtem mais efeito, não porque não doam, mas porque estamos em paz. A segurança do Reino de Deus não nos permite temer ou revoltar, só nos permite confiar e prosseguir com Deus.

Penso que o trabalho externo acaba sendo consequência dessa conquista, não meio de conquistar. Há muitos de nós que buscam o trabalho externo afim de conquistar o Reino de Deus pelo “meio mais fácil”, mas com o passar dos anos, as experiências da vida vão nos ensinando que o meio mais fácil é aquele que julgamos mais difícil…

Não sou defensora do sofrimento, mas tenho que admitir que ele é um meio muito eficaz para encontrarmos Deus e a paz… Tenho que admitir a sabedoria de Deus ao permitir nosso sofrimento em determinado ponto da caminhada afim de nos conduzir à Seu Reino. Um sofrimento que só existe até que O encontremos dentro de nós… Depois que encontramos o Reino de Deus, não somos mais capazes de sofrer as dores que nos levaram àquele ponto de Encontro, justamente porque O encontramos. Os sofrimentos se modificam, mas todos são enfrentados com Paz e Harmonia com Deus.

Por tudo isso ando pensando muito naquela passagem… Na ilusão que temos de ver o exterior e julgar coisas e situações que apenas Deus é capaz de julgar. Nem sempre o exterior é reflexo do interior, e nem sempre alguém que prega a paz vive em paz. Da mesma forma que nem sempre aquele que julgamos o último, está perdido… Talvez estejamos mais perdidos que ele no fim…

Isso foi só uma breve reflexão pessoal, portanto desculpem se o texto estiver um tanto reflexivo demais e com lógica de menos… :)